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A PRAIA DAS BONECAS SEM CABEÇA

Era uma vez um lugar que ficava na beira do mar, um litoral ora cinza, ora azul, ora verde, ora (des)construído pela mão do homem. Todos, praticamente sem exceção, viviam amontoados num mosaico de casinhas misturadas à paisagem tristemente tropical, assimétrica, e desdentada. Seus habitantes, numa tentativa de alcançar algum perdão, faziam sem parar oferendas aos seus deuses da chuva, do mar, do relâmpago. Um pedaço do tal novo mundo que impressionou o estudioso francês, e onde as montanhas se misturavam com o mar, com as nuvens, com os peixes. Ali havia uma praia escondida, bem rasinha, água quase morna, com árvores e sombra na beirada, pedras pra subir e avistar o horizonte, e onde os biguás e os pescadores dividiam as tainhas, as sardinhas, as latas y otras cositas que caíam na rede, tudo na maior harmonia. Ninguém sabe o motivo, talvez por essa praia ser tão linda, tranquila e secreta, começou a ser frequentada por outros seres extraordinários. Uns coloridos, outros desbotados, mas sempre aos pedaços: bolas, garrafas, caixas de ovo vinham nadando atraídas por aquele pedacinho de paraíso, ventiladores sem pá, medusas plásticas, bonecas sem cabeça que tomavam sol ali sem o menor pudor (e tudo bem, né?), ursinhos de pelúcia que tentavam o suicídio e quase morriam na praia, e até unicórnios marinhos, daqueles de dar nó na cabeça dos zoólogos (como classificá-los, minha gente?). Dizem até que, brincando com o unicórnio um dia desses, a Gata Borralheira rasgou um pedaço do seu vestido, que ficou abandonado nas raízes do manguezal, e ainda por cima largou um outro sapatinho por ali. Afinal de contas, mais um, menos um, quem notaria, não é mesmo?

Fotografia, ensaio

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