Eu fiz uma sessão de fotos memorável no dia 22 de abril de 2021 à tarde na Praia do Flamengo aqui no Rio. Foi bem difícil fazer uma seleção das fotos favoritas para uma série, pois a paisagem estava espetacular e totalmente diferente do que estamos acostumados a ver.
Como é que de repente a Baía de Guanabara virou um pico de surf? Quem acordou a “Besta” da Ilha da Laje? Como assim, Let, a Praia do Flamengo lotada de surfistas?
Não sei se Machado de Assis na época que escreveu Dom Casmurro teve algum amigo cientista natural ou fez alguma bruxaria para consultar sobre o tema "ressaca". Mas quando mostrei estas fotos para amigos e parentes próximos, surgiram várias dúvidas sobre as ondas grandes que chegaram no litoral sudeste nesta ocasião, e que eu vou tentar explicar de forma simples:
O vento no oceano gera as ondas empurrando a superfície do mar. Ondas são definidas como perturbações (ou pulsos de energia) que têm oscilações e velocidades próprias. É bem mais complexo se a gente inserir todos os conceitos físicos, mas podemos parar aqui.
O resultado do “jogo” entre o vento e a superfície do mar resulta em ondas mais longas ou mais curtas, que se deslocam pelo oceano na direção do vento que as originou, sem grandes perturbações.
O que aconteceu recentemente foi a formação de uma tempestade subtropical denominada Potira (flor!) ao largo da costa sudeste do Brasil, bem longe do litoral. O centro da tempestade é um núcleo de baixa pressão, e que gira no sentido horário.
No oceano Atlântico, afastada da costa, a Potira provocou ventos de SE (sudeste) constantes e muito, muito fortes, entre 75 e 100 km/h!
Resultado 1: A ventania da Potira formou um conjunto de ondas (swell) que viajou através do oceano Atlântico e atingiu a costa do Rio de Janeiro, vindo de sudeste.
Resultado 2: Ao chegar perto do litoral, as ondas "deram de cara” com a entrada estreita da baía de Guanabara e a laje mais rasa (uns 5 m) entre o Pão de Açúcar e a Ilha da Laje (o nome já diz, né?). Águas mais rasas fazem com que a velocidade e o comprimento das ondas diminuam e a sua altura aumente! Por isso as ondas "quebram" na praia.
Resultado 3: A combinação perfeita entre a direção de sudeste das ondas, a orientação da linha de costa do Rio de Janeiro e a existência da laje na boca da Guanabara acorda a “Besta”, e parte desta ondulação entra na baía e chega na Praia do Flamengo, provocando a ressaca.
Voltando à Guanabara na literatura brasileira, eu suspeito que Machado de Assis matou o Escobar, uma das personagens principais de Dom Casmurro, em um dia como esse na Baía de Guanabara, um dia de "Besta". E quem sabe a Capitu tinha os olhos de ressaca da exata cor da Guanabara revolta?
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