Voltamos à primavera, depois do sol ter dado uma volta completa ao redor da janela de casa.
Sim, desse jeito mesmo, a janela virou o referencial nessa realidade estranha que tomou conta do mundo (do Brasil pelo menos), e a astronomia que lute. Pelo menos as flores distraem.
Voltamos à primavera e às capuchinhas que ofuscam a vista com uma cor laranja flamejante. Na primavera passada eu já havia percebido a dança na janela, as saias rodopiando ao sol, ao som de música inaudível.
Algumas flores parecem um tutu de bailarina clássica, outras brincam de ciranda, mas essas flores laranja têm força para além da cor exuberante. Têm movimento mesmo se o vento não mexe sequer uma folha. Parecem as bailaoras de flamenco, têm orgulho, altivez, paixão: "O amor está, está sempre. Falta apenas o golpe de graça - que se chama paixão." Essa passagem do livro "A paixão segundo G. H." de Clarice Lispector me fez entender o que têm as flores: golpearam a minha vista com graça.
Assim, durante alguns dias, a janela virou palco de cante jondo, bulerías, soleares, e por fim seguiriyas. Por motivos inexplicáveis sempre me emociono com o flamenco, parece que o meu coração entra no ritmo e acompanha o cajón. Nunca fui à Andaluzia. Enquanto espero o retorno de alguma normalidade, me distraí com o baile efêmero na janela e sonhei com as viagens que um dia farei.
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